E agora.

E agora, escrevo o quê,
se perdi o pio?
Se já fui de fio a pavio
e o que me apraz escrever
é conjunto vazio.
Se já perdi razões,
noites, serões
em surreais deambulações,
em becos sem saida
ou em poços de fundo raso.
E mesmo quando dou aso à vida,
volta e meia
fico com fome
de barriga cheia
porque o sabor que fica na boca
também corrói.
Afinal, esta capa de super-herói
serve só para tapar o frio.
Sobra-me a energia
do medo da hipotermia
de mandá-la fora.
E agora,
culpo quem?
Espero um comboio que já não vem.
E já que perdido por cem,
com uma ponta de amargura,
de um rasgo
devoro o resto,
como com fartura
e se me engasgo
escondo a tosse
como se forte fosse.
Sento-me, espero a morte
como se fosse forte,
para acabar sobrevivendo
nas vias
do que de mim sobeja.
Que seja!
Já tenho o cabelo com cerveja
e a mesma t-shirt há três dias.
Espero só dar por mim,
ainda de mãos vazias
a querer sair sem saber porquê.
Mas e agora,
visto o quê?

[Quem me dera estar bêbado]

Quem me dera estar bêbado.
Ter na ponta dos dedos tudo o que posso tocar.
Sentir na ponta da língua tudo o que posso dizer.
Falar por mim e pelo álcool,
poder lavar a cara com as mãos sujas do chão
onde me sento e ando à roda
a ver o que me rodeia para não me sentir só
nem são, que já me chegam as manhãs perdidas na noite anterior.
E ser superior a mim mesmo, uma fútil solução para me enganar
enquanto dou um ar de quem está certo
mesmo quando até estou perto.
É inútil estar sentado.
De pé, sigo pelo livro aberto
das ruas, ignoranto as palavras que não conheço
e os encontrões em que tropeço,
pelo trajecto certo
mal sabendo por onde me leva.
E p'lo caminho entrançado
mando um beijo à treva,
amiga fiel do embriagado,
e dou-lhe conversa
esperando um vice-versa.
Tenho na ponta da língua tudo o que lhe posso dizer.
Sinto na ponta do dedos tudo onde lhe toco.
E sem dizer nada porque estou rouco,
e sem lhe sentir nada porque estou dormente,
roubo-lhe a voz calmamente
para num gemido,
lhe dizer ao ouvido
que quem me dera estar bêbado.

[Dou a cara ao vento]

Dou a cara ao vento
que vem lento
e como eu sedento
de movimento.
Sinto-o bem na pele
mas não sei se é de mim
ou se dele
que não me movo.
Tenho saudades de ser um animal,
uma besta,
algo novo
mas doem-me os pés de tanta mudança.
Desde criança
que a dança é esta.
A minha cara cora.
Já é hora.
Dou meia volta,
viro costas
e vou-me embora.

Fumo um cigarro,
cuspo o catarro,
vou correr a achar que sou de aço
e cuspo meio maço.
Não me falta o ar,
falta-me o espaço
e em vez de me cansar
nada faço
e corro às voltas
de rimas soltas.
Prendo-as em mim para fugir com elas.
Agora já não corro,
Ainda me perco delas
e isso é que não!
(Ainda cuspo no chão.
Já disse que sou de aço?)
Ao menos aprendo,
acho,
a cada passo,
pé ante pé
(sim)
sem perder a fé
no meu fim
que ainda não sei qual é.
Vou improvisando
enquanto me vou enganando
ou vice-versa.
Já nasci com pressa,
cheio de vontade.
Agora temo descobrir que na verdade
isto podia ter mais piada
e por magia
ser o que eu queria.

Ode ao Sol





O meu corpo mole perde-se no que pareces.
Rezo as minhas preces
numa ode ao Sol
porque gosto de olhar para com quem falo.
E se Ele não me ouve é porque me calo.
Manda-me esquecer o que houve
e lembrar-me do que ainda não existiu,
o que ainda ninguém viu.
E prevê o que ninguém vê nem adivinha.
Mas a alma é minha
e não lhe presto atenção:
perco tempo a pensar se devia.

Está um tempo de merda.
O não se ver o Sol é a grande perda.
Não lavo a cara,
os olhos são do dia anterior
porque a cafeína esta cara.
Noto nos dedos um ligeiro tremor,
neste escuro que é um horror.
E não há maneira de almoçar sem aleijar a carteira.
Fico com fome, mole,
a levantar a cabeça
à espera do Sol
que pode ser que me aqueça.

Avé, ó Baco!

O mundo não pára
E se não pára:
Avé, ó Baco.
Levo as mãos à cara
Que cheiram a tabaco
(E ao perfume dela, que perfume!,
Que não sai por mais que fume).
Peço à sorte que passa,
Que no seu enlace,
Me abrace e saiba porque me abraça!
Pois então, senão,
Somos já todos cadáveres dentro d'um saco.
Porque o mundo não pára.
E se não pára:
Avé, ó Baco!