É Primavera?

Olha, é Primavera. É Primavera e há flores. Para quê, se não existes?

E os pássaros cantam, e tu cantas. Mas não existes.

E os pássaros voam e tu voas, e os pássaros pousam e tu voas. Longe.

E às tantas já nem sei quem sou
E quem tu és
E se és
E quem és, que és, como és ou se alguma vez chegaste a ser ou se estás para ser.
Nem me interessa.
Nem que sejas um pássaro, desde que cantes.
E que eu oiça.

E que possa saber que és tu.

E que possa seguir-te

Porque quero seguir-te até aos teus escuros becos
E gritar e ouvir os teus ecos,
Navegar nos teus rios
Que os meus estão secos.
Quero estar lá e esperar que me expulses,
Sei lá…
Já que não és ninguém, expulsa-me,
Espanca-me, não me vou embora,
Eu fico à espera que me provoques,
Sufoca-me, desde que me toques
E que eu sinta.
Só porque és ninguém, não tens que ser ninguém.
Até comigo podes ser alguém.

Se desse, oh!, se desse,
Beijava-te a voz!

E a tua imagem doce e imunda.
Não és mais que um nenúfar que se afunda;
Nem sabes o poder que tens para a mágoa.
E depois? Nós, sapos, até gostamos de água…


(para quem o quiser,
pois nem eu sei.)

Digressão

Ando devagar à espera
De haver algo porque correr.

Percorro rotas entre os altos calabouços empilhados de gentes.
São grandes e altos.
Não lhes vejo o topo
Apesar de ser quase tão alto como eles.

Ando, apático. Passeio-me.
Trago o olhar distante.
Tão exageradamente distante
Que o perco.
Já o tive mais vivo
E oh! se tinha!
Mas já nem culpo ninguém,
A melancolia é minha.

Tenho alguém atrás de mim.
Por favor, segui-me - penso.
E que espanto quando olho para trás
E rio-me
E não tenho resposta
E o caminho torna-se mais denso.

Continuo a andar com a morte defronte,
Que mórbida e provocante,
Espreita no horizonte:
-Estou à tua espera - segreda-me.
Não ouço

E dobro a esquina.
E ela perdeu-se.
E o cataclismo deu-se.
E já nada tenho a seguir-me.
Olho para mim, a rir-me.
Não da graça
Nem da desgraça.
Deixai-me apenas rir enquanto não sei nada.

(àquela que me seguia,
que não seguia melhor que eu.)