É Primavera?

Olha, é Primavera. É Primavera e há flores. Para quê, se não existes?

E os pássaros cantam, e tu cantas. Mas não existes.

E os pássaros voam e tu voas, e os pássaros pousam e tu voas. Longe.

E às tantas já nem sei quem sou
E quem tu és
E se és
E quem és, que és, como és ou se alguma vez chegaste a ser ou se estás para ser.
Nem me interessa.
Nem que sejas um pássaro, desde que cantes.
E que eu oiça.

E que possa saber que és tu.

E que possa seguir-te

Porque quero seguir-te até aos teus escuros becos
E gritar e ouvir os teus ecos,
Navegar nos teus rios
Que os meus estão secos.
Quero estar lá e esperar que me expulses,
Sei lá…
Já que não és ninguém, expulsa-me,
Espanca-me, não me vou embora,
Eu fico à espera que me provoques,
Sufoca-me, desde que me toques
E que eu sinta.
Só porque és ninguém, não tens que ser ninguém.
Até comigo podes ser alguém.

Se desse, oh!, se desse,
Beijava-te a voz!

E a tua imagem doce e imunda.
Não és mais que um nenúfar que se afunda;
Nem sabes o poder que tens para a mágoa.
E depois? Nós, sapos, até gostamos de água…


(para quem o quiser,
pois nem eu sei.)